Um tema recorrente que desadormece e instiga qualquer peregrino é saber quantos quilômetros terá que caminhar – seja ele o primeiro ou o centésimo vigésimo terceiro caminho a percorrer.
Comigo passou igual – quando eu soube que o Caminho de Santiago – iniciando em Saint Jean de Pie de Port – tinha pouco mais de 800 km, um misto de insegurança amarela e um medo roxo beliscão perderam para o sentimento vermelho de “comigo ninguém pode”.
Com a alma embotada da mais pura e cristalina arrogância desfraldei a bandeira da soberba e marchei rumo ao inevitável.
Até então, eu sequer tinha olhado para uma mochila, empunhado um cajado ou caminhado mais que uma hora na esteira – ainda que confortavelmente aninhado no salão climatizado de uma academia.
Enquanto jejunos sobre os efeitos de uma caminhada contemplativa desconhecemos o abismo que separa o verbo “caminhar” da expressão “ato de caminhar” – nosso imaginário nos leva a concluir que “quanto maior a quantidade de quilômetros caminhados, maior será a sublimação da conquista e as láureas do reconhecimento”.
Assim, botei na mochila um ”não sei quanto de vaidade” e parti em busca da glória.
Comecei grande e ao passo dado fui me apequenando. O paladino perfumado que saiu para vencer os invencíveis 800 km e conquistar o Olimpo da magnitude começava a colher os frutos de um aprendizado dolorido e interminável. Caminhei com uma senhorinha belga, que tinha saído da sua casa e com uma humildade digna conquistada ao longo de muitos caminhos revelou-me que também tinha peregrinado à Jerusalém, à Assis e agora pela terceira vez percorria o Caminho de Santiago.
Dias mais tarde, conheci um casal de italianos que iniciaram em Milão, foram à Santiago e estavam retornando. Durante um jantar comunitário, dois orientais falaram sobre o Caminho do Shikoku – um Caminho japonês localizado na ilha do Shikoku, com 1.200 km – que passa por 88 templos budistas.
Para que eu definitivamente entendesse o real tamanho de minha microscópica dimensão contaram que já o tinham percorrido onze vezes!
Informação, que também surpreendeu o casal francês Joseph e Maria, que após trancarem a porta do seu apto em Paris seguiam peregrinando à Santiago.
A cada aprendizado minha insignificância se agigantava e tive consciência da enormidade de minha pequenez.
Ao encerrar a liturgia – pausadamente – para que eu pudesse enxergar minha cegueira diante do Universo, tive a sensação que o padre espanhol estava falando só para mim, quando disse:
____… não importa a distância, importa o Caminho!